NAS ALTURAS: O QUE SIGNIFICA O AUMENTO DE 1cm REGISTRADO NA ESTATURA DAS CRIANÇAS BRASILEIRAS NA FAIXA DE 3 A 10 ANOS ENTRE 2001 E 2014
Nas alturas: o que significa o aumento de 1 cm registrado na estatura das crianças
Estudo publicado no The Lancet revela acréscimo de 1 cm na altura de crianças brasileiras na faixa etária de 3 a 10 anos entre 2001 e 2014
Por
Rafaela Gama
— Rio de Janeiro
08/04/2024 04h30 Atualizado há 2 dias
O aumento de 1 cm na altura de crianças brasileiras foi registrado em um novo estudo publicado no The Lancet Regional Health - America. O trabalho, produzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade College London, no Reino Unido. Os resultados apontam para mudanças na curva de crescimento de crianças de 3 a 10 anos no período entre 2001 e 2014.
No total, foram analisadas informações de 5.750.214 crianças, com as diferenças entre sexos feminino e masculino sendo levadas em consideração, ou seja, foi estimada uma trajetória média de índice de massa corporal (IMC) e altura para meninas, e outra para meninos. O cálculo levou em consideração o cruzamento de três bases de dados: o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).
Os resultados mostraram um aumento na trajetória média de altura dos nascidos entre 2008-2014 de aproximadamente 1 cm em ambos os sexos, em relação aos que nasceram entre 2001-2007.
Segundo a pesquisadora Carolina Vieira, responsável por conduzir o estudo, mudanças nas trajetórias de altura já foram relatadas em outras populações, até mesmo de países emergentes como a China e a Coreia do Sul, além de registros no Sudeste Asiático, Oriente Médio, Norte de África e América Latina. Já a estagnação ou diminuição na altura média foi encontrada em países da África Subsaariana em crianças da faixa etária de 5 a 19 anos entre 1971 e 2019.
A mudança registrada no artigo publicado no The Lancet não teria sido a primeira registrada no país, de acordo com a especialista. Entre 1952 e 1967, foi observada uma tendência de aumento de estatura nessa faixa etária de também 1 cm. Já entre 1967 e 1982, a diferença teria sido ainda maior, atingindo o valor de 2,4 cm em cinco macrorregiões brasileiras.
No entanto, este teria sido o primeiro estudo a usar dados longitudinais, isto é, avaliados ao longo do tempo, de medidas como peso e altura em uma população tão extensa para avaliar as tendências das trajetórias de IMC e altura. A partir das conclusões obtidas ao final do estudo, a pesquisadora explica quais são os fatores que poderiam ter influenciado essa transformação.
— Essa mudança é resultado de todo o contexto de modificações que o Brasil tem sofrido nas últimas décadas. Os indicadores de desnutrição infantil, por exemplo, foram revertidos por melhorias nas condições sociais, sanitárias e de saúde, como redução da pobreza, aumento da escolaridade, expansão da urbanização, melhoria no acesso à água potável e saneamento — ela esclarece.
De acordo com Vieira, o aumento da estatura média também pode resultar em desfechos positivos na saúde para além das aparentes vantagens sociais e físicas.
As vantagens e desvantagens de ser alto
Em um estudo produzido por pesquisadores do Rocky Mountain Regional VA Medical Center, nos EUA, foram comparadas medidas de altura e a presença de mais de mil características, tanto genéticas quanto físicas, em mais de 280 mil adultos norte-americano. Os resultados, publicados na revista científica da Public Library Of Science Genetics, indicaram que pessoas mais altas têm um risco elevado de neuropatia periférica, bem como varizes e infecções de pele e ossos, mas um risco menor de doenças cardíacas, pressão alta e colesterol alto.
Usando métodos genéticos de análises, foram encontradas evidências de que a altura adulta pode afetar mais de 100 características clínicas. Os resultados confirmaram descobertas anteriores de estudos menores de que ser alto está ligado a um risco maior de fibrilação dos átrios do coração e varizes, e um risco menor de doença cardíaca coronária, pressão alta e colesterol alto.
Os pesquisadores também descobriram novas associações entre ser mais alto e um maior risco de infecções de pele e ossos, como úlceras nas pernas e nos pés, bem como o desenvolvimento de neuropatia periférica, que é causada por danos nos nervos das extremidades.
Os estudiosos agora acreditam que a altura pode ser um fator de risco anteriormente não reconhecido para várias doenças comuns. No entanto, eles alertam que são necessários mais estudos para esclarecer algumas das descobertas, e trabalhos futuros se beneficiariam do estudo de uma população internacional mais diversificadas.
Fatores que alteram a estatura das crianças
Segundo a endocrinologista Cristiane Kochi, da Sociedade Brasileira de Pediatria, a altura das crianças e adolescentes é determinada por por fatores ambientais, genéticos e fisiológicos que podem se manifestar de maneira distinta ao longo do tempo.
No primeiro ano de vida, o fator nutricional é o mais importante para o bebê, que majoritariamente depende da amamentação nos primeiros seis meses e depois é introduzido a alimentos sólidos, ela explica. No entanto, na faixa etária analisada no estudo, de 3 a 10 anos, a produção e secreção pela glândula hipófise do hormônio do crescimento, o GH, é determinante para a estatura da criança.
De acordo com a especialista, os hormônios tireoidianos também desempenham um papel fundamental no desenvolvimento e crescimento infantil, uma vez que tanto a falta quanto o excesso desses hormônios podem trazer consequências para a saúde óssea e influenciar no crescimento, a médica esclarece.
— Para as crianças que tem a produção e distribuição desses hormônios normalizada, espera-se uma estatura normal. Mas os fatores genéticos e a prática de uma alimentação balanceada precisam também ser levados em consideração nas análises da curva de crescimento infantil — a especialista avalia.
O outro lado da análise
O estudo publicado no The Lancet também indicou um aumento considerável da incidência de excesso de peso e obesidade. Na comparação entre os dois grupos avaliados, a prevalência de excesso de peso para a faixa etária de 5 a 10 anos aumentou 3,2% entre meninos e 2,7% entre meninas. No caso da obesidade, o aumento da prevalência passou de 11,1% para 13,8% entre os meninos e de 9,1% para 11,2% entre as meninas (um aumento de 2,7% e 2,1%, respectivamente).
— Esses resultados indicam que o Brasil, assim como todos os países do mundo, está longe de atingir a meta da [Organização Mundial da Saúde] OMS de ‘deter o aumento’ da prevalência da obesidade até 2030 — explica Carolina Vieira.
Novos padrões na dieta, com destaque para o papel dos ultraprocessados, e o aumento do comportamento sedentário e inatividade física contribuem para esse cenário, embora a obesidade seja uma doença complexa e multifatorial, de acordo com Vieira. Além disso, uma maior prevalência de obesidade traz consigo o risco do aumento de doenças crônicas não-transmissíveis
—Vale destacar que esse impacto será ainda maior na população de crianças mais pobres, onde a prevalência da obesidade vem aumentando mais. As políticas de prevenção devem ser direcionadas de forma mais específicas para esse grupo social — ela considera.
* estagiária sob supervisão de Constança Tatsch
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/04/08/nas-alturas-o-que-significa-o-aumento-de-1-cm-registrado-na-estatura-das-criancas.ghtml
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