'Pessoas altamente sensíveis são fortes e empáticas', diz especialista; veja entrevista
Jenn Granneman escreve sobre pessoas altamente sensíveis e tenta quebrar conceitos equivocados sobre essa característica de cerca de 30% da população
Por
Constança Tatsch
— São Paulo
17/12/2023 04h31 Atualizado há 6 horas
Em maior ou menor grau, tudo mundo tem sensibilidade. É da natureza humana. No entanto, cerca de 30% das pessoas têm essa característica, tanto emocional quanto física, exacerbada: são as altamente sensíveis, ou high sensitive person (HSP).
Esse conceito vem se difundindo nos últimos anos, com cada vez mais pesquisadores e estudos científicos se debruçando sobre ela. Uma delas é a educadora, jornalista e escritora americana Jenn Granneman, cujo livro "Sensível" acaba de ser lançado no país, pela editora Sextante.
Para a pesquisadora, ela mesma uma HSP, apesar de hoje muito mais gente se identificar como altamente sensível ou saber sobre o tema, ainda há muitos preconceitos e falta de compreensão do que se trata — e do que não se trata. Para explicar o que é e quais as características positivas e negativas de ser altamente sensível, ela deu a entrevista a seguir:
Nos últimos tempos, parece que mais gente está falando sobre pessoas altamente sensíveis e se identificando com esse perfil, certo?
Sim, acho que estamos nos tornando mais abertos para falar sobre isso do que no passado. Escrevo sobre esse assunto há cerca de uma década. E posso dizer que quando comecei, as pessoas não estavam muito interessadas. Eles não sabiam o que era, tinham muitos conceitos errados. Também escrevi sobre introversão e as pessoas estavam muito interessadas e pareciam compreender e aceitar melhor. Mas continuei escrevendo, esperando que eventualmente mais gente entendesse. E vejo que estamos chegando a esse ponto. Acho que pessoas das novas gerações estão, em geral, mais abertas a falar sobre saúde mental, bem-estar emocional e as suas emoções. Há muitos movimentos bons no TikTok e no Instagram que estão trazendo esse tópico para um público mais amplo.
É interessante porque estamos falando de cerca de 30% das pessoas.
Sim, é incrível. Era para ter muita gente interessada. Não somos a maioria, nem metade da população, mas não é uma pequena quantidade de pessoas.
O que você acha que está faltando? Uma nomenclatura psicológica ou psiquiátrica, por exemplo?
Acho que ainda existem muitos conceitos errados sobre o que é sensibilidade, como um traço de personalidade. As pessoas têm ideias erradas, acham que isso significa que você está chorando o tempo todo, se sente ofendido facilmente ou não aguenta uma piada. Como se você simplesmente não conseguisse lidar com a vida. Acham que você é apenas fraco, muito frágil. Nossa sociedade está acostumada a ver os desafios da sensibilidade e não os pontos fortes dela. Porque, talvez sendo uma pessoa sensível você chore com mais facilidade, certo. Porque pessoas sensíveis sentem as coisas profundamente. Isso é um fato. Estudos mostram que há mais ativação em áreas do cérebro relacionadas à empatia, processamos eventos emocionais por mais tempo. Mas isso não é uma fraqueza. Existem muitos pontos fortes em ter empatia e sentir as coisas profundamente. As pessoas sensíveis tendem a perceber detalhes, veem coisas que os outros ignoram, absorvem muitas informações de seu ambiente, leem bem as outras pessoas, absorvem muito bem as dicas. Estamos acostumados a falar sobre as coisas que podem ser desafiadoras em ser sensível. Mas não estamos vendo os pontos fortes que vêm com isso.
Quais seriam esses desafios no seu ponto de vista?
Um dos desafios reais de ser uma pessoa sensível é que muitas vezes nos sentimos superestimulados ou estressados facilmente pelo ambiente. Pessoas sensíveis também analisam e pensam mais nas suas conversas e sentimentos, mastigando mais as coisas. E seus cérebros estão revirando tudo o tempo todo.
Há uma percepção que pessoas sensíveis não aguentam o tranco.
Não somos frágeis. Às vezes isso que as pessoas veem como fraqueza, esse choro, essas emoções podem nos fortalecer. As pessoas sensíveis são, na verdade, algumas das mais fortes e resilientes que conheço, porque, sim, os desafios da vida nos atingem profundamente, mas tendemos a refletir sobre o significado das coisas e estamos muito voltados para o crescimento pessoal. Então, pensamos em como lidar com estes desafios, o que eles significam para nós e o que podemos aprender. Portanto, acredito que pessoas sensíveis tendem a ser muito resilientes. Sim, você pode estar chorando, mas vai embora e refletir sobre isso por dias, semanas, meses... E então vai encontrar uma solução ou um significado, e achar uma maneira de continuar, onde alguns simplesmente implodem sob o peso de tudo. Pessoas sensíveis querem muito encontrar um sentido para suas experiências e isso as impulsiona quando as coisas estão muito difíceis.
Começam a surgir evidências científicas de que o cérebro dos altamente sensíveis tem diferentes formas de funcionamento. Quais estudos apontaria como mais relevantes?
Um dos estudos que considero mais interessante é aquele que já mencionei, que diz que pessoas sensíveis continuam pensando em um evento emocional mesmo depois que ele termina. E mesmo depois de os pesquisadores tomarem algumas medidas para tentar fazer com que as pessoas sensíveis eliminassem os efeitos da emoção, seus cérebros ainda estavam processando. Isso comparada ao cérebro de alguém menos sensível. Isso nos mostra que pessoas sensíveis processam informações profundamente. Há também pesquisas que mostram que a parte do cérebro relacionada à empatia tem mais atividade em pessoas sensíveis, essa região acende mais nos exames. E há pesquisas sobre como as pessoas sensíveis provavelmente nascem com algum padrão genético que as torna sensíveis. Então é provavelmente uma característica com a qual nascemos.
Era justamente o que eu queria saber: qual o papel da genética?
Os cientistas ainda não têm todas as respostas, mas pensam que existe algum tipo de combinação de genes que torna alguém mais ou menos sensível. E as pessoas nascem com isso. Mas as experiências quando somos jovens também moldam o quão sensíveis somos. Um estudo descobriu que as crianças criadas em ambientes extremos tornaram-se mais sensíveis. Então, digamos que você foi criado em um ambiente muito bom, um ambiente muito estimulante, de muito apoio e enriquecedor. Bem, você pode ficar um pouco mais sensível porque seu corpo diz: ei, há tantas coisas boas aqui que posso aprender e absorver. Infelizmente, por outro lado, se as crianças são criadas em um ambiente que é difícil, negligente ou abusivo também ficam mais sensíveis porque isso se torna um mecanismo de sobrevivência — prestar atenção aos seus cuidadores e prever se o pai vai ficar nervoso e agressivo, por exemplo. Isso pode ajudar a sobreviver a uma situação perigosa ou ameaçadora, estando mais sintonizado com o ambiente. Então é uma mistura de genética e meio ambiente, natureza e criação.
No livro, você dedica uma parte a dizer o que é e o que não é ser sensível, como ser introspectivo ou estar no espectro autista.
Vou abordar primeiro a introspecção. A maneira como gosto de explicar a diferença entre introversão e sensibilidade é que a introversão é uma orientação social, explica como você interage com as pessoas, como se relaciona e como se socializa, enquanto a sensibilidade descreve sua orientação em relação ao ambiente. Ele nos diz quanta informação você está obtendo do seu ambiente. A pesquisa de Elaine Aaron diz que cerca de 70% das pessoas sensíveis também são introvertidas. Então as duas características podem estar intimamente relacionadas.
Mas às vezes você pode até ser uma estrela do rock, como Bruce Springsteen, que já se descreveu como altamente sensível.
Sim, exatamente! Mas pessoas introvertidas têm um forte desejo de solidão. Elas gostam de ficar sozinhas. Já as sensíveis não desejam necessariamente a solidão. Talvez gostem de ter algum tempo de silêncio a vida parece caótica, mas não desejam necessariamente a solidão como os introvertidos.
E o autismo?
Muitas pessoas apontam que tanto as pessoas autistas quanto as pessoas sensíveis costumam ter algum desconforto sensorial, como não gostar de certos cheiros ou de ambientes barulhentos. Mas a magnitude do desconforto sensorial não é tão grande para pessoas sensíveis como é para a maior parte das pessoas com autismo. Eu também diria que há uma diferença entre autismo e sensibilidade. Pessoas sensíveis tendem a ter mais atividade em áreas do cérebro relacionadas à empatia e tendem a captar sinais sociais e emocionais com muita naturalidade. Emoções e leitura de pessoas acontecem de maneira muito natural e fácil para as pessoas mais sensíveis. Enquanto algumas pessoas com autismo enfrentam mais desafios nessa área.
A gente tem a impressão de que se alguém é sensível e sabe ler e lidar com as pessoas, seria mais fácil para ela se relacionar amorosamente. Mas, pelo seu livro, não é assim. Por que?
Bem, antes de mais nada, relacionamentos podem ser difíceis para qualquer pessoa, seja você uma pessoa sensível ou não. Mas você está certa. Bom, nós lemos bem as pessoas. Sentimos suas dicas. Entendemos suas emoções. Temos muita empatia. Tendemos a ter uma boa inteligência emocional. Você pensaria que os relacionamentos seriam fáceis para nós, certo? Porque somos uma espécie de superestrelas no relacionamento com os outros. Mas as pessoas sensíveis tendem a querer um nível mais alto de intimidade emocional e proximidade, querem se sentir conectadas ao parceiro. Mas, você sabe, nem todo mundo tem a mesma capacidade, nem todo mundo quer falar sobre assuntos profundos, pessoais e interessantes. E nem todo mundo tem a mesma capacidade de criar intimidade e proximidade emocional. Portanto, acho que muitas vezes é difícil para as pessoas sensíveis encontrar alguém. E talvez as discussões sejam mais difíceis. É mais fácil discutir com alguém que não é uma pessoa sensível que vai ficar remoendo.
Você também disse que às vezes as pessoas sensíveis se envolvem com narcisistas e esse tipo de gente.
Acho que porque os narcisistas tendem a ter um tipo. Procuram pessoas que sejam gentis e tenham empatia e que tendem a ver o que há de bom em todos. É fácil para nós dizermos, ‘ah, ele não quis dizer isso ou ele está fazendo isso porque sei que ele teve um relacionamento difícil com os pais’. Pessoas sensíveis tendem a ser muito generosas e um narcisista quer tudo o que pode conseguir. Se você está disposto a dar, eles querem receber. Então pessoas sensíveis encontrarão alguém que tem tendências narcisistas durante a vida, sim.
E como lidar com crianças altamente sensíveis?
A primeira coisa é abraçar a sensibilidade do seu filho. Se pudermos mostrar às crianças sensíveis que não há nada de errado com elas e que, na verdade, é uma força, um superpoder, isso ajudará muito. A outra coisa é ajudá-los a aprender como viver no mundo como uma pessoa sensível. E isso pode significar ensinar que eles precisam de um tempo de inatividade. Talvez não possam ir de uma festa de aniversário para outra, ou talvez depois de um dia puxado, precisem apenas relaxar um pouco no quarto e descomprimir. É normal e saudável ter um tempo de calma. Acho que também devemos ensiná-los a reconhecer quando estão superestimulados ou estressados. Eu tenho um filho de dois anos e ele ainda depende de mim para reconhecer quando está ficando superestimulado. Mas à medida que as crianças crescem, queremos que elas percebam seus corpos, suas emoções, para que elas próprias possam reconhecer quando estão começando a ficar sobrecarregadas.
Você começa o livro falando que a humanidade é uma criatura sensível. O que nos diferencia é apenas o grau de sensibilidade.
Sim. Todo mundo é sensível até certo ponto. Todos nós temos empatia até certo ponto. Todos nós notamos detalhes e choramos. As pesquisas indicam que cerca de 30% das pessoas caem nesse extremo altamente sensível. Cerca de 40% estão no meio e podem ser considerados como tendo sensibilidade média. E aí, uns outros 30%, são menos sensíveis, os do outro lado. Deveríamos estar mais preocupados com eles.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/12/17/pessoas-altamente-sensiveis-sao-fortes-e-empaticas-diz-especialista-veja-entrevista.ghtml
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