É possível
evitar as crises de birra?
Crises
de irritabilidade da criança fazem parte do desenvolvimento, mas podem ser
diminuídas em número e intensidade usando estratégias como evitar gatilhos, dar
alternativas e abusar do bom-humor
Por Daniel
Becker
11/12/2022 04h30 Atualizado
Antes de mais nada: birra é um nome pejorativo.
Vamos chamar de crises de irritabilidade da criança. Elas fazem parte do
desenvolvimento normal, por isso são inevitáveis. Mas podem ser reduzidas em
número e intensidade.
Em primeiro lugar, é preciso entender: o cérebro da criança não tem
capacidade de processar as emoções fortes. A frustração e a contrariedade, numa
idade em que ela quer se afirmar no mundo, onde está descobrindo como as regras
sociais funcionam, podem gerar muita raiva. E essa raiva explode sem controle,
porque o cérebro não tem equipamento para processar essas emoções de outra
maneira.
Portanto, essas crises não são manipulação, crueldade, vingança ou
malcriação. São marcos do desenvolvimento. Simples assim. Vamos tratar de como
reduzir seu número e sua intensidade.
Reflita: como anda sua conexão fora das crises? Você passa tempo com seu
filho? Você convive com sua filha sem olhar para o celular o tempo todo? Um bom
vínculo é crucial para reduzir as crises e para cuidar delas, quando acontecem.
Nesse mesmo raciocínio, busque o reforço positivo: lembre de elogiar o
comportamento do seu filho quando ele estiver sendo afável, colaborativo,
legal. Não é fácil lembrar na hora, pois somos programados para criticar e não
para elogiar. Mas faz toda a diferença. Elogie sempre o comportamento: “adorei
que você veio logo se vestir, ajudou muito a mamãe”!
Prepare a criança para uma situação de potencial frustração: avise o que
vai acontecer várias vezes antes da hora: “Filha, tá boa essa brincadeira, mas
mamãe tem que levar você para a casa da vovó. Daqui a pouco te aviso de novo”.
Diga muitas vezes até a hora de ir, e ela estará mais tranquila.
Algumas crianças demandam o tempo todo, e por isso são mais sujeitas às
contrariedades. Nesses casos, é bom escolher as batalhas. Ser um pouco mais
permissivo em questões não essenciais vai ajudar. Por que não sair com a roupa
descombinando para evitar choro e estresse?
Evitar os gatilhos é a melhor arma. Como? Fome e sono deixam o cérebro
ainda mais “reptiliano” e agravam descontrole. Se for sair, calcule a hora da
soneca, leve um lanche gostoso e tudo ficará mais leve. Evite ambientes
propensos à frustração, como os clássicos shopping e lojas de brinquedos. Em
vez de ir lá, ficar confinado num ambiente artificial e consumista, se
aborrecer e comer porcaria, leve numa pracinha, na praia ou num parque. Aí a
alegria é muito mais provável.
Uma ótima forma de atenuar e evitar muitas crises é oferecer mais
autonomia à criança. Com dois ou três anos, as razões para frustração são
constantes: não alcançar a torneira, não conseguir abrir a gaveta ou pegar o
brinquedo. Por isso, pense em adequar os ambientes à criança. A linha
Montessori de educação é maravilhosamente rica em ideias.
Outra maneira de oferecer autonomia é dar alternativas. Quer sair com o
short azul ou o vestido de bolinhas? Quer tomar banho de chuveiro ou de
banheira? Com o patinho ou a boia? Use alternativas em vez do “não”: o celular
do papai está ocupado agora, mas o Lego está pedindo para você brincar com ele!
E o grande segredo: use e abuse da brincadeira e da fantasia. Ambas são
a linguagem essencial da infância e têm um efeito tão potente no cérebro
infantil que a criança se sente atraída para elas, mesmo numa crise de
mau-humor ou irritabilidade. O cérebro dos pequenos está programado para
aprender brincando. O riso alivia a reposta ao estresse e desarma a raiva e o
medo. A crianças estará mais aberta para aprender e colaborar. Isso estimula a
sua criatividade e imaginação, e a “treina” para desenvolver algo que nos salva
tantas vezes: o bom humor. Veja alguns exemplos:
- Para uma criança que insiste no “não” quando algo lhe é solicitado:
“Ah, tô vendo que você tá com muito não pra falar. Quero que você diga
quantos ‘nãos' você quiser. Quando eu falar sim, você fala não, na mesma
voz”. Fale sim com vozes de robô, de falsete, imitando uma pessoa cheia de
frescuras, um comandante militar, etc. Em seguida, com ela mais relaxada,
proponha a tarefa e comece a fazer junto.
- Uma criança se recusa a ir tomar banho: "Temos que combater os
monstros que se esconderam no chuveiro: o pato malvado e o barquinho
inimigo. Vamos rastejando quietinhos para pegá-los de surpresa”!
- Para uma criança choramingando: "Xiii, acho que a sua voz
normal se perdeu. Precisamos procurá-la! Vamos ser os detetives. Onde será
que ela se escondeu? Veja embaixo da mesa. Não, vamos procurar nas
gavetas. Ah, achou! Que bom, achei que a gente nunca mais ia encontrar.
- Para dois
irmãos brigando por um brinquedo, use a brincadeira do locutor. “Atenção,
aqui é o locutor papai transmitindo ao vivo diretamente do quarto das
crianças. A disputa do século está acontecendo por causa do carrinho
vermelho. Será que eles conseguem resolver a questão ou teremos que
guardar o carrinho?” Depois entreviste ambos, perguntando qual a versão de
cada um e as soluções que propõem, sem julgar ou escolher por eles.
A educação autoritária ou violenta faz parte da história de muitos de
nós. Por isso, usar a brincadeira para educar pode parecer estranho. Mas
garanto: funciona, sim, e bem melhor que uma disputa de poder ou uma briga.
Fonte:https://oglobo.globo.com/blogs/daniel-becker/post/2022/12/e-possivel-evitar-as-crises-de-birra.ghtml
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