Brincadeira tem hora: sempre
Crianças precisam de liberdade e tempo para brincar
Por Daniel Becker
Um fenômeno nocivo vem se agravando no mundo todo nas últimas décadas: a redução do brincar na infância.
As famílias não têm tempo para levar as crianças para a praça. A cidade hostil e violenta restringe o acesso ao ar livre. Nas escolas, o recreio é reduzido em nome de mais conteúdo; proíbem crianças de correr (sim, acontece em escolas de elite do Rio), mas permitem que fiquem no celular. As aulas de educação física — quase um refúgio da brincadeira movimentada na escola — são reduzidas a uma ou duas vezes por semana.
O dever de casa tem precedência, desde o primeiro ano. E para criar um filho que seja “competitivo” para um futuro imprevisível e complexo, é preciso treiná-lo com aulas de vários idiomas, esportes, música, teatro, culinária, programação… A agenda é tão ocupada quanto a de um executivo.
São sinais do chamado “paradigma escolar do desenvolvimento”: a ideia (equivocada) de que a criança precisa ser treinada por um adulto para aprender o que quer que seja. E aí, brincar vira perda de tempo.
Nos poucos momentos de ócio, em que a criança poderia brincar livremente, é bloqueada instantaneamente pela onipresença dos aparelhos digitais. Mergulhada na telinha, ela absorve conteúdos passivamente, com seu cérebro em repouso e sua criatividade e imaginação inteiramente desligadas.
E dessa forma privamos nossos filhos de um direito fundamental. O brincar é a linguagem essencial da infância: através dele a criança passa a se conhecer, a compreender o mundo e a se expressar nele.
Já temos muitas evidências científicas mostrando sua importância crucial. As brincadeiras do bebê expandem as redes de conexões em seus cérebros em acelerado desenvolvimento. É assim que eles exercitam sua curiosidade, aprendem a testar fenômenos, experimentar e dominar seu ambiente. Começando pelo seu próprio corpo — seu primeiro brinquedo.
Todas as crianças, em todas as culturas e momentos da história, usam o brincar como forma de desenvolver habilidades, de se preparar para a vida adulta — muito mais que qualquer aula. E quanto mais livre e espontâneo, quanto mais usando materiais não estruturados, abertos, que não são direcionados a alguma finalidade, mais criativo será. O melhor brinquedo é a vida.
Brincando com seus pais, a criança fortalece o vínculo, o senso de pertencimento e identidade, a autoestima e aceitação. Desenvolve a linguagem e o raciocínio.
Brincando livremente sozinha, ela ganha em atenção, motivação, criatividade e imaginação. O senso de descoberta e curiosidade se aguça, a autonomia se amplia. Ela aprende a solucionar problemas, a tomar decisões, a se conhecer melhor e lidar com o tédio e a solidão.
Brincando entre amigos, desenvolvem habilidades interpessoais essenciais para a vida: empatia, comunicação, negociação, regulação emocional, humor. Aprendem a colaborar, a trabalhar em grupo, lidar com regras e com a própria agressividade.
A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendam aos seus membros que prescrevam o brincar — o melhor antídoto para o estresse tóxico imposto às crianças em nossa sociedade.
A criança sabe brincar — ela nasce com um circuito cerebral pronto para isso. Lembre-se disso quando ela reclamar do tédio e pedir o celular. A frase mágica é: “não, vai brincar!” Não precisamos ensinar: basta criar a oportunidade, vencer os primeiros minutos de resistência, estimular e interagir um pouco e, juro, e a coisa vai acontecer.
Brincar é um direito fundamental da criança. É a melhor maneira de seu filho adquirir habilidades essenciais para a vida e, em especial, de ser uma criança feliz. E uma infância feliz é a semente de uma adolescência mais tranquila e de uma vida adulta mais plena e produtiva.
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