As pessoas usam máscaras faciais enquanto andam de bicicleta em um parque em Medellín, Colômbia. Foto: JOAQUIN SARMIENTO / AFP
Reavaliando a covid-19 em crianças
Há novas evidências de que algumas crianças podem ficar gravemente doentes e estamos começando a entender melhor sobre quem está mais em risco e a que os pais devem ficar atentos
Perri Klass*, The New York Times
14 de maio de 2020 | 11h00
À medida que aprendemos mais sobre as crianças face à covid-19, novas pesquisas vêm reavaliando a noção que se mantinha até agora. Ainda é verdade que as crianças, como grupo, têm sido relativamente poupadas, mas surgem evidências de que algumas podem ficar gravemente doentes, e começamos a saber mais sobre quem está mais em risco e a que os pais devem ficar atentos.
Na semana passada tivemos notícias de crianças hospitalizadas em diferentes locais, incluindo em Nova York, com uma doença inflamatória multissistêmica que provocou a morte de três. Além disto, novas pesquisas continuam a ser publicadas descrevendo a maneira como o vírus se comporta nas crianças, que nem sempre é como o observado em adultos.
Um ensaio clínico publicado em 12 de maio no Frontiers in Pediatrics descreve os casos de cinco crianças na China hospitalizadas com problema respiratório, mas verificou-se depois que estavam com a covid-19, com as anomalias pulmonares características da doença. Foi o que disse o Dr. Wenbin Li, chefe da área pediátrica do Tongii Hospital em Wuhan, o primeiro autor do estudo. “Em nosso informe, quatro dos cinco pacientes apresentavam febre e tosse durante a fase da doença e quatro tiveram sintomas no trato digestivo como primeira manifestação”.
“O fato indiscutível é que, com a pandemia da covid-19, os prontos-socorros pediátricos estão tendo uma grande redução de visitas”, escreveu o médico. Como os pais têm medo de buscar uma emergência, eles demoram para levar os filhos a um hospital, o que pode levar a complicações graves”, disse ele.
E estamos vendo nos Estados Unidos que os pais também podem retardar a visita ao médico, e com isso as imunizações não são feitas e as crianças ficam vulneráveis a outras doenças alarmantes.
“A ideia de que as crianças não contraem a covid-19 ou acabam tendo sintomas leves é muito simplista”, afirmou o Dr. Adam Ratner, diretor de doenças pediátricas infecciosas da faculdade de Medicina da universidade de Nova York e do Hassenfeld Children’s Hospital.
É verdade - e tranquilizador - que foram menos casos detectados em crianças e que o número de mortes é muito menor no caso das crianças do que nos adultos, especialmente os mais idosos, “mas temos algumas crianças gravemente enfermas”, disse o médico.
Um estudo publicado na revista JAMA Pediatrics examinou 48 crianças nos Estados Unidos que precisaram de tratamento intensivo com covid-19. Entre outras conclusões, 40 dessas crianças tinham problemas de saúde importantes, as chamadas comorbidades: metade delas foi categorizada como de “condição complexa do ponto de vista médico”, ou seja, as crianças dependiam de suporte tecnológico, como por exemplo, necessidade de traqueostomia. Em outros casos os problemas incluíam imunossupressão, normalmente ligada a tratamento contra o câncer, obesidade ou diabete.
Um funcionário usando equipamento de proteção desinfeta um shopping como medida preventiva contra o coronavírus COVID-19 em Caxias do Sul. Foto: SILVIO AVILA / AFP
Houve casos também de recém-nascidos, e pelo menos um morreu no parto, e um informe conciso de uma pesquisa, publicado no final de abril na revista JAMA, reportou o isolamento do vírus na placenta de uma mulher que sofreu um aborto no segundo trimestre de gravidez.
O Dr. David Baud, diretor da área de obstetrícia do Hospital universitário de Lausanne, na Suíça, autor do estudo, disse que a maneira mais provável de o vírus chegar à placenta é através da corrente sanguínea. Ele observou que nas epidemias de SARS e MERS, que eram também coronavírus, mães infectadas tinham mais probabilidade de dar à luz bebês com baixo peso.
E, embora se acredite que a atual pandemia permanecerá entre nós por um longo tempo, ainda não sabemos o suficiente quais podem ser os efeitos da infecção sobre feto durante o primeiro trimestre de gravidez. Mas o Dr. Baud é um dos médicos que descreveram o estabelecimento de um registro internacional para casos de grávidas afetadas pela covid-19 num artigo publicado este mês na revista Lancet.
Mesmo quando mães testam positivo para a covid-19 no parto, os recém-nascidos tendem a ser negativos, disse o Dr. Ratner, desde que a mãe e o bebê sejam mantidos separados após o nascimento, sugerindo que o vírus não é transmitido no útero ou durante o parto - o que também foi observado na China.
Ratner disse ter tratado várias crianças com o vírus e a maior parte delas apresentou sintomas leves. Mas algumas, afirmou, “exigiram tratamento intensivo e ajuda de respirador, de modo que há uma faixa grande, mesmo que na maioria dos casos elas fiquem bem”.
Algumas crianças ficaram gravemente doentes, mas no caso daquelas em idade pré-escolar e escolar os sintomas da covid-19 tendem a ser muito leves. Crianças com imunodeficiências ou que estão se submetendo a uma quimioterapia correm um risco maior de contrair doenças graves. Mas o Dr. Ratner afirma que “vimos crianças sem nenhum problema de saúde e que precisaram ser internadas em unidade de tratamento intensivo”. Este também é o grupo de idade onde a nova doença multissistêmica vem sendo observada, às vezes como um processo pós-infeccioso bastante inflamatório.
Muitos dos sintomas desta síndrome se assemelham aos de uma doença infantil rara chamada doença de Kawasaki, disse a Dra. Jane Newburger, diretora do programa Kawasaki no Hospital Infantil de Boston. “Estamos observando uma onda de uma síndrome que pode incluir uma inflamação extrema ou choque. Choque é o que ocorre quando os órgãos do corpo não recebem sangue suficiente e algumas dessas crianças apresentam uma função cardíaca deficiente.
A doença de Kawasaki é um diagnóstico clínico; não existe teste laboratorial para detectá-la e a causa é desconhecida. A Dra. Newburger descreveu a enfermidade como “uma doença aguda que ataca geralmente crianças saudáveis - febre alta durante pelo menos quatro dias, vermelhidão dos olhos, lábios, língua e garganta, mãos e pés inchados, às vezes palmas das mãos e solas dos pés também vermelhos. “A doença é tratada com imunoglobulina intravenosa, um produto preparado a partir do sérum de muitos doadores com a intenção de prevenir o raro, mas grave, aumento das artérias coronárias, que é a complicação mais perigosa da doença.
A Dra. Newburger disse que os casos relacionados com a Covid-19 são de uma síndrome inflamatória multissistêmca modulada pelo sistema imune, que muitas pessoas acham que pode surgir algumas semanas depois do contato inicial com o coronavírus. As crianças ficam com febre alta, disfunção de um ou mais órgãos do corpo e testes de laboratório sugerem inflamação.
Um homem caminha na frente de estabelecimentos comerciais fechados na capital paulista. Foto: EFE/ Fernando Bizerra
O Dr. Moshe Arditi, do Cedars-Sinai Medical Center, vem estudando a doença de Kawasaki há mais de 30 anos. Segundo ele, alguns dos casos reportados em diferentes cidades - especialmente Londres e Nova York - podem ser da doença de Kawasaki em crianças que também foram expostas à covid-19, sem que seja possível dizer que existe um elo causal, enquanto outros casos envolvem crianças que ficam muito mais enfermas, o que ele descreveu como “uma espécie de choque tóxico da síndrome”, exigindo tratamento intensivo”.
O Dr. Philip Kahn, reumatologista pediátrico na universidade de Nova York, vem cuidando de vários pacientes infantis hospitalizados com sintomas do que parecem ser da doença de Kawasaki.
“Na doença de Kawasaki a grande maioria das crianças reage muito bem, sem decorrências ruins no longo prazo. No caso de uma grande maioria, esta é uma doença infantil que acomete a criança uma única vez”. E ele tem visto crianças com a covid-19 e esta síndrome similar à Kawasaki, que se recuperam bem, respondendo ao tratamento com imunoglobulina.
E mesmo nos casos de doenças multissistêmicas que surgiram na semana passada, “comparadas com os adultos, as crianças têm muito menos probabilidade de serem gravemente afetadas e a mortalidade é muito rara”, disse o Dr. Newburger. “Os pais devem achar que é muito inusitado uma criança cair gravemente enferma - mas se o seu filho de repente ficar com febre, aparenta não estar bem e o sexto sentido paterno diz que a criança está muito doente, busque atendimento médico, telefone para o pediatra, vá para o hospital”.
“A dedução importante é que esta é ainda uma doença nova para nós. Ainda estamos vendo coisa pela primeira vez, apesar de nas últimas semanas termos examinado muitos adultos e crianças”. /*MÉDICA/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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