ESTUDOS APONTAM QUE CRIANÇAS PODEM TRANSMITIR CORONAVÍRUS E DEPÕEM CONTRA VOLTA ÁS AULAS


Estudos recentes mostraram que as crianças provavelmente são capazes de transmitir o Sars-CoV-2 mesmo que assintomáticas, e que o fechamento de escolas pode ser eficaz para reduzir o contágio Foto: FILIPPO MONTEFORTE / AFP

Estudos recentes mostraram que as crianças provavelmente são capazes de transmitir o Sars-CoV-2 mesmo que assintomáticas, e que o fechamento de escolas pode ser eficaz para reduzir o contágio Foto: FILIPPO MONTEFORTE / AFP

Estudos apontam que crianças podem transmitir coronavírus e depõem contra volta às aulas

Pesquisa alemã mostra que menores sem sintomas têm cargas virais tão ou mais altas do que adultos sintomáticos; chineses estimam aumento de contágio com escolas reabertas

Apoorva Mandavilli, do "New York Times"
06/05/2020 - 21:32

NOVA YORK — Uma das dúvidas não respondidas ainda sobre a Covid-19 é o papel das crianças na proliferação da pandemia. Elas parecem se infectar menos com coronavírus do que os adultos, e a maioria apresenta sintomas leves, quando têm. Mas elas também transmitem o vírus para adultos e continuam a cadeia de transmissão?
A resposta é fundamental para decidir se e quando reabrir as escolas, um passo que o presidente Donald Trump instou os estados americanos a considerar antes do verão do hemisfério norte.
Dois novos estudos oferecem evidências convincentes de que as crianças podem transmitir o vírus. Nenhum dos dois provou totalmente, mas as evidências eram fortes o suficiente para sugerir que as escolas deveriam ser mantidas fechadas por enquanto, disseram muitos epidemiologistas que não estavam envolvidos na pesquisa.
Muitos outros países, incluindo Israel, Finlândia, França, Alemanha, Holanda e Reino Unido, reabriram as escolas ou estão pensando em fazê-lo nas próximas semanas. Em alguns desses países, a taxa de transmissão comunitária é baixa o suficiente para correr o risco.
Mas em outros países, inclusive nos Estados Unidos, a reabertura de escolas pode elevar o número de novas infecções a níveis perigosos, alertaram os epidemiologistas.
Em um estudo publicado na semana passada na revista "Science", uma equipe analisou dados de duas cidades da China — Wuhan, onde o vírus surgiu pela primeira vez, e Xangai — e descobriu que as crianças eram cerca de um terço mais suscetíveis à infecção por coronavírus do que os adultos.
Com base em seus dados, os pesquisadores estimaram que fechar escolas não basta por si só para interromper um surto, mas pode reduzir o aumento em cerca de 40% a 60% e retardar o curso da epidemia.
— Minha simulação mostra que sim, se você reabrir as escolas, verá um grande aumento no número de casos, que é exatamente o que você não quer — disse Marco Ajelli, epidemiologista matemático que fez o trabalho enquanto estava no Fundação Bruno Kessler em Trento, Itália.

Crianças carregam tanto vírus quanto adultos

O segundo estudo, realizado por um grupo de pesquisadores alemães, foi mais direto. A equipe testou crianças e adultos e descobriu que as crianças que testam positivo têm tanto vírus quanto os adultos — às vezes, mais — e que, portanto, presumivelmente, são igualmente infecciosas.
— Algum desses estudos é definitivo? A resposta é "Não, claro que não" — disse Jeffrey Shaman, epidemiologista da Universidade de Columbia que não participou de nenhum dos estudos. — Mas abrir escolas por causa de alguma noção ainda não investigada de que as crianças não estão envolvidas seria uma coisa tola.
O estudo alemão foi liderado por Christian Drosten, um virologista que ficou famoso nos últimos meses por seus comentários sinceros e claros sobre a pandemia.
Drosten lidera um grande laboratório de virologia em Berlim que testou cerca de 60 mil pessoas para o coronavírus. Consistente com outros estudos, ele e seus colegas encontraram muito mais adultos infectados do que crianças.
A equipe também analisou um grupo de 47 crianças infectadas entre 1 e 11 anos de idade. Quinze delas tinham uma condição subjacente ou foram hospitalizadas, mas as demais estavam livres de sintomas.
As crianças que eram assintomáticas tinham cargas virais tão ou mais altas do que as crianças ou adultos sintomáticos.

Escolas fechadas = queda nas infecções

No estudo da China, os pesquisadores criaram uma matriz de contato de 636 pessoas em Wuhan e 557 pessoas em Xangai. Eles ligaram para cada uma dessas pessoas e pediram que lembrassem todos com quem tinham tido contato no dia anterior à ligação.
Eles definiram contato como uma conversa pessoal envolvendo três ou mais palavras ou toque físico, como um aperto de mão, e pediram a idade de cada contato, bem como o relacionamento com o participante da pesquisa.
Eles estimaram que o fechamento de escolas pode diminuir o número de infecções associadas a um único caso, em cerca de 0,3. Uma epidemia começa a crescer exponencialmente quando essa métrica atinge 1. Em muitas partes dos Estados Unidos, o número já está em torno de 0,8, disse Ajelli.
— Se você está tão perto do limite, uma adição de 0,3 pode ser devastadora.
No entanto, alguns outros especialistas observaram que manter as escolas fechadas indefinidamente não é apenas impraticável, mas também pode causar danos permanentes às crianças.
Jennifer Nuzzo, epidemiologista da Escola de Saúde Pública Bloomberg da Universidade Johns Hopkins, disse que a decisão de reabrir escolas não pode ser tomada com base apenas na tentativa de impedir a transmissão.
— Acho que temos que ter uma visão holística do impacto do fechamento da escola nas crianças e em nossas famílias — disse Nuzzo. — Eu me preocupo que, em algum momento, os danos acumulados pelas medidas possam exceder os danos causados às crianças pelo vírus.
As abordagens de ensino virtual podem fornecer temporariamente às crianças uma rotina, "mas qualquer pai ou mãe dirá que eles não estão realmente aprendendo", disse ela.
Sabe-se que as crianças retrocedem durante os meses de férias, e acrescentar mais alguns meses a isso pode prejudicá-las permanentemente, principalmente as que já estão com dificuldades.
As crianças também precisam dos aspectos sociais da escola e, para algumas, o la — Não estou dizendo que precisamos absolutamente arrancar o Band-Aid e reabrir as escolas amanhã, mas temos que considerar esses outros objetivos pode até não ser um lugar seguro, disse ela.

Governos têm de discutir como fazer reabertura

Um novo estudo dos Institutos Nacionais de Saúde pode ajudar a fornecer mais informações para orientar decisões nos Estados Unidos.
O projeto, chamado Heros, seguirá 6.000 pessoas de 2.000 famílias e coletará informações sobre quais crianças são infectadas pelo vírus e se o repassam a outros membros da família.
Todos os especialistas concordaram em uma coisa: os governos deveriam manter discussões ativas sobre como reabrir escolas.
Os alunos podem ser programados para ir à escola em dias diferentes para reduzir o número de pessoas no prédio ao mesmo tempo, por exemplo.
Mesas poderiam ser colocadas mais afastadas e as escolas poderiam evitar que os alunos se reunissem em grandes grupos.



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