A EVOLUÇÃO DA CRIANÇA
Rudolf Lanz
Em fins do século passado o grande biólogo Ernst Haeckel formulou sua genial lei biogenética fundamental: “Em sua evolução embrionária, todo animal percorre, sucessivamente, estados correspondentes aos graus de evolução que os animais inferiores percorreram, na história das espécies, até chegarem a ele”. Essa lei pode ser aplicada, de certa maneira, à evolução da criança: ela também repete, de maneira concentrada, as várias fases da evolução anímico-espiritual do gênero humano.
Antes de examinar as etapas da evolução da criança, lembremo-nos de alguns fatos importantes:
• A personalidade não nasce com o nascimento! O eu de um recém-nascido é tão velho como o de qualquer outra pessoa. Na presente encarnação, porém, ele ainda não permeou os diversos envoltórios terrenos. • No decorrer da vida, o eu procura realizar-se, a si e ao seu carma. Pais e educadores devem ajudá-lo nessa tarefa. • Daí a grande responsabilidade de quem lida com crianças. Não se pode criar uma personalidade, um eu! Mas pode-se favorecer ou dificultar o seu desabrochar correto. • Muito do que é aprendido na vida infantil, e esquecido depois, reaparece mais tarde, sob forma de faculdades adquiridas. A lei da metamorfose domina a evolução da criança.
Rudolf Steiner ensina que a vida humana é caracterizada por ciclos de 7 anos, marcados pela predominância de determinada configuração anímico espiritual.
Sem investigar o porquê desses ciclos, estudaremos rapidamente os três primeiros. Ao nascer, o corpo físico está “acabado”. Existem e funcionam todos os órgãos (menos os da reprodução). Mas o corpo etérico ainda está, durante os primeiros sete anos, intimamente ligado ao corpo físico, ao qual consolida, estrutura e dota de funcionamento certo: a criança se fixa pouco a pouco na alimentação dos adultos, ergue-se, aprende a mover-se no espaço, aprende a falar; finalmente, o aparecimento da segunda dentição marca a época em que essa tarefa plasmadora do corpo etérico chega a um certo fim, libertando-o em parte para outras funções. Poderíamos, pois, dizer que o nascimento de um corpo etérico autônomo apenas ocorre aproximadamente aos 7 anos, na idade em que a criança está pronta para entrar na escola.
Quem conhece a existência de um corpo etérico, e mais ainda, quem admite o seu intenso desenvolvimento durante os primeiros 7 anos de vida, (o corpo físico foi construído durante os 9 meses de gravidez) não estranha que esse corpo precise de “alimentação” adequada. Em outras palavras: para se desenvolver harmoniosamente, o corpo etérico deve receber certos impulsos; em caso de falta destes, ou quando são prejudiciais, o corpo etérico não desenvolve harmoniosamente suas forças e funções.
Quais são esses alimentos úteis?
Em primeiro lugar, tudo o que constitui um ritmo. A regularidade da vida cotidiana (horas certas para se levantar, comer, deitar-se) e a repetição de certos atos (passeios, oração para agradecer o alimento que recebe, ouvir sempre uma história antes de dormir) constituem uma poderosa ajuda para o fortalecimento do corpo etérico, dando à criança uma confiante segurança.
Depois, a criança deve ter a possibilidade de dar vazão à sua fantasia criadora. De dentro para fora, deverá desabrochar uma vida anímica baseada principalmente no corpo, na vida orgânica e seus ritmos. Contos de fadas devem animar a imaginação; brinquedos simples devem deixar lugar à fantasia. Nada de trens elétricos, de brinquedos mecânicos, de bonecas de matéria plástica, caricaturas horríveis de seres humanos. Todos esses brinquedos matam a imaginação da criança e desfiguram seus instintos plasmadores e sadios. Nada também de formas geométricas, de jogos de matéria plástica que deturpam o sentido táctil da criança. Materiais naturais, pedaços de madeira, trapos, pedras, conchas, plantas, areia, lápis de cera, eis os companheiros ideais, com os quais a criança pequena, cheia de imaginação, constrói o “seu” mundo.
Nessa idade, mais do que em qualquer outra, a criança, meio inconsciente e sonhadora, está entregue às influências do ambiente. Tudo a permeia. Como o seu organismo tão delicado sofre com discussões em voz alta entre seus pais, com o ruído do rádio, com as irradiações da TV, com o barulho e o nervosismo da nossa vida citadina, e com as mudanças bruscas de ambiente!
O ideal seria deixar a criança pequena entregue à sua fantasia, num mundo harmonioso, sem distúrbios. Nessa idade a criança não é acessível a conceitos de moral e a regras abstratas de comportamento. Ela vive imitando o seu ambiente, em geral de maneira inconsciente. Muitas vezes, a semelhança de uma criança com seus pais ou avós não é congênita, mas adquirida pela imitarão de gestos e expressões. O exemplo dos pais e irmãos educa, e não os gritos e preceitos lógicos.
Durante os primeiros três anos a criança aprende mais do que em qualquer outra época da vida: o andar ereto, o falar e o pensar são três vitórias básicas sobre o animal. Com elas, a criança torna-se homem. Durante essas três conquistas, e durante todo o resto da evolução, pais ou outros adultos devem sempre estar presentes para dar uma mão, tão firme quanto carinhosa. A pequena criança deve ser guiada! Nada mais errado do que deixá-la sempre “livre”. A disciplina e a regularidade são alimentos da sua organização etérica, base de toda a sua vida futura.
Se as crianças já aparentam, muitas vezes, um caráter bem pronunciado, elas não possuem ainda, salvo erros da educação, manifestações tipicamente intelectuais e conscientes. A criança pequena naturalmente possui um eu, mas ainda sem autoconsciência. Ela vive entregue ao mundo exterior que a permeia. Até a idade de três anos, ela nem emprega as palavras “eu” ou “você”: chama a si própria pelo seu nome (“Maria quer comer”), e somente a partir dessa idade nascem os primeiros vestígios da memória permanente: o adulto, em geral, não tem reminiscências de fatos anteriores à idade de três anos.
Qualquer despertar artificial e prematuro das faculdades sentimentais e mentais prejudica a evolução harmoniosa da criança. Ela chegará sozinha ao grau de desenvolvimento que constitui o fim desse primeiro período de 7 anos e que se manifesta por vários sinais: ela se alonga, seus dentes definitivos aparecem, ela muda de aspecto e tudo indica que está, com o segundo período de 7 anos, ingressando na maturidade escolar.
O segundo período, que se estende dos sete aos catorze anos, é caracterizado pelo desenvolvimento intensivo do corpo astral, que passa a ser o elemento predominante, até o seu turbulento “nascimento” definitivo, no momento do reboliço da puberdade. A astralidade toma, então, posse do corpo físico.
Durante essa fase – que corresponde à idade escolar – é principalmente o corpo astral que deve ser “alimentado” de maneira sadia, como o corpo etérico o foi durante a época anterior. Os sentimentos se formam e precisam de impulsos apropriados. Os sentidos, de simples órgãos sensitivos, passam a ser “antenas” de uma alma: a criança começa a adorar música, pintura; ela compartilha dos sofrimentos e das virtudes dos heróis das suas leituras; em uma palavra, a alma e a vida anímica passam ao primeiro plano.
Nessa idade a criança desenvolve seus dons artísticos. Ao mesmo tempo, o corpo etérico, liberto das suas tarefas do primeiro setênio, torna-se instrumento poderoso do pensar e da memória. Ainda seria prematuro qualquer intelectualismo (que pressupõe o poder de abstração do eu), mas acoplado à vida sentimental, o pensamento se torna capaz de grandes esforços deverá ser desenvolvido na escola de maneira adequada.
Entre os “alimentos” do corpo astral figuram ideais, exemplos de figuras com sentimentos nobres e empolgantes. Os grandes heróis dos mitos e da história fecundam a imaginação e o idealismo, as vivências artísticas elevam a alma e o corpo inteiro, com a sua intensa reserva de forças, quer ser o instrumento de impulsos volitivos (esporte), estéticos (dança, mímica), etc. A imaginação e a fantasia sentimental se projetam para fora, e nunca, mais tarde de, as crianças saberão interpretar com tanto fervor, em peças teatrais ou pequenas encenações de vivências próprias.
Os perigos, nessa idade, são múltiplos, mas o maior é a fixação do idealismo e da fantasia em figuras de valor duvidoso. Daí o efeito nefasto das estórias em quadrinhos, da idolatria de bandidos. Horrível também é a influência dos meios modernos de divulgação, com seu baixíssimo nível moral, intelectual e artístico: TV, rádio, revistas, etc. Os crimes que se cometem contra a criança nessa idade têm efeitos incalculáveis e definitivos.
Nessa idade, dos 7 aos 14 anos, a personalidade já se afirma mais. Não se limitando a imitar, a deixar-se permear, a criança quer agora idealizar, respeitar, venerar. A autoridade baseada no afeto, no amor, é a melhor relação pedagógica nessa idade, e o professor deve respeitar o eu dos seus alunos, que se vai afirmando cada vez mais, e ao mesmo tempo procurar corresponder ao seu idealismo ainda meio inconsciente.
No terceiro período, dos 14 aos 21 anos, a parte que se desenvolve é o eu. Tendo alcançado sua plena maturidade, o indivíduo é considerado civil e penalmente responsável; passa a ser um membro aprovado da coletividade.
Com a evolução do eu, nasce a consciência da própria personalidade e, com ela, um sentimento de alienação e de separação dos outros. O indivíduo começa a ter uma vida íntima própria. O adolescente faz poesias, a mocinha escreve um diário íntimo. Depois da crise da puberdade, a vida sentimental, salvo influências negativas de fora, se sublima. O jovem começa a “amar”. Ao mesmo tempo, seu idealismo se dirige para objetos mais elevados, mais abstratos: discussões filosóficas e metafísicas, ideais políticos e sociais, enchem-Ihe o espírito.
Nessa altura suas faculdades mentais estão plenamente desenvolvidas.
Sem perigo de prejuízos, o pedagogo pode e até deve recorrer ao poder de abstração do seu aluno. Do mundo da alma, o jovem passa ao mundo do espírito. Dúvidas e problemas religiosos o atormentam; ele começa a criticar tudo. Uma educação bem dirigida não impedirá esse desejo de criticar, mas procurará evitar o cinismo e a negatividade, dando ênfase à necessidade de sempre respeitar o outro, de nunca esquecer a própria responsabilidade moral e social.
O término dos estudos escolares e universitários marca o fim desse terceiro setênio. O homem é agora maduro para poder tomar o seu destino em suas próprias mãos. Mas, até o dia da sua morte, deveria conservar este apanágio de um verdadeiro jovem: saber aprender a corrigir suas propias idéias.
Fonte:http://www.antroposofy.com.br/wordpress/textos/
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