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Corações e casas lotadas: entre amor e custos altos, como vivem as grandes famílias
Entre 2010 e 2022, a proporção de mulheres com seis ou mais filhos caiu de 11,49% para 6,99%, segundo o Censo
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25/12/2025 03h30 Atualizado há um dia
“Criança até 5 anos paga?”, perguntava Anderson Curvello à porta do restaurante, sinalizando para a mulher, Cristiane, enquanto um, dois, três, quatro jovens clientes se aproximavam, surpreendendo os atendentes. “Já era aquela multidão”, diverte-se ele ao lembrar. Hoje, com seis filhos de 3 a 17 anos, os custos e a logística exigem ainda mais criatividade de um clã para quem ostentar é reunir irmãos, tios e primos — cerca de 50 parentes — no Natal, em Itajaí (SC).
Famílias numerosas como os Curvello são cada vez mais raras no Brasil. Entre 2010 e 2022, a proporção de mulheres com seis ou mais filhos caiu de 11,49% para 6,99%, segundo o Censo. A taxa de fecundidade, que era de 6,28 filhos por mulher em 1960, hoje não chega a 1,6. O GLOBO ouviu cinco casais que deixaram a decisão do número de filhos a cargo de Deus e da natureza. Educação, finanças, logística e a gestão das individualidades aparecem como principais desafios, além do estranhamento social e do consumismo.
Valorização de laços
Desde a lua de mel, em 2007, Anderson e Cristiane falavam em ter filhos sem estabelecer limites. Mudaram-se para uma chácara que hoje abriga as festas de fim de ano, em que cada convidado leva um prato. A rotina é simples: carro de 2012, bicicletas usadas, roupas que passam de um filho para outro. Para Anderson, Natal é convivência, não consumo:
— As pessoas acham que para ter família grande precisa ser rico. Acham que a gente está esbanjando, que está sobrando, não é verdade. Quando os filhos eram menores, dávamos uma lembrancinha para cada. Com o passar do tempo, demos menos ênfase a bens materiais. Tem pais com um ou dois filhos que até gastam mais.
Há alguns anos, o casal criou o projeto Família Pedal 7+, que reúne mais de 300 mil seguidores nas redes. Mesmo priorizando atividades coletivas, eles buscam parcerias para aulas individuais de música, idiomas e esportes, conforme cada gosto. Elisa, de 12 anos, é campeã brasileira de judô em sua categoria. Ter cinco irmãos, segundo o pai, contribuiu para sua resiliência. Ela ajuda a bancar o esporte vendendo doces e tem um quarto só para ela; os meninos dividem outro. As tarefas domésticas são compartilhadas, com responsabilidades negociáveis, visando à autonomia.
— A gente tem ajuda de um sobrinho adulto e das duas avós, mas é esporádico. No dia a dia, todos ajudam a dobrar e guardar as roupas, lavar louça, passar aspirador, na jardinagem — diz Anderson.
Na casa dos Arasaki, em São Paulo, o presente de Natal veio mais cedo: em novembro, a influencer Mariana deu à luz Maria Carolina, sua 13ª filha com o empresário Carlos. O casal conta que o enfoque do 25 de dezembro é o nascimento de Jesus, mas também é ocasião de valorizar laços e tentar fazer cada criança se sentir especial. Muitas vezes, diz Mariana, os próprios filhos se articulam para um agrado caber no orçamento. Amigo secreto e presentes compartilhados são comuns, assim como a valorização de experiências, como viagens.
— Nessa data, em geral, temos um Amigo Secreto, e cada um ganha o seu presente. Mas eles são conscientes. Quando entendem que é uma coisa mais custosa, eles falam que vão compartilhar. O presente está substituindo a presença hoje em dia. Eles precisam é de tempo de qualidade — diz.
Com 1,3 milhão de seguidores no Instagram, Mariana mostra a rotina intensa da casa, incluindo o café da manhã em dois turnos. O casal desenvolveu estratégias para atender cada filho individualmente, com conversas diárias, rituais e o “dia do filho único”, quando, uma vez por mês, cada criança escolhe o programa com os pais.
— A gente tem um ritual para almoçar, colocar para dormir, para eles se sentirem acolhidos e poderem se expressar. A gente mensura as broncas a depender do temperamento de cada um — explica Carlos.
A rede de apoio é essencial. Babás e parentes ajudam, sobretudo em viagens — o grupo já teve de esperar horas num aeroporto por algum voo que acomodasse todo mundo. A logística inclui limites de acompanhantes em aviões e, às vezes, a necessidade de fretar transporte só para as malas.
Regiane Cançado, mãe de sete e grávida, concorda que a logística é um dos maiores desafios. Já precisou explicar para curiosos que um passeio no shopping não era colônia de férias e que não fazia transporte escolar. O atraso de um filho, ela conta, gera efeito dominó, e a organização começa horas antes dos compromissos. Para Regiane, a convivência ensina negociação, cooperação e partilha de atenção:
— A gente ri muito com essas histórias. E quando tem algum ensaio no contraturno? Tem que ver como organizar, levar, que horas. Fora as vezes que entra todo mundo no carro, a gente dá um confere, mas fica uma mochila para trás. Tem que voltar tudo. Às vezes, eu falo que vou dar banho no mais novo, e outro filho diz que já deu. Claro que eles brigam, disputam. Tem uma sociedade inteira aqui em casa. Eles aprendem a barganhar, a ceder, a negociar, tanto os brinquedos quanto a atenção dos pais — relata Regiane.
Sem ajuda profissional, Regiane e o marido, Elias José, se aproximaram de Richard e Leila Ceschini, pais de oito filhos. Em Brasília, os dois clãs se ajudam para educar jovens num mundo que exalta o consumismo. Richard ressalta as dificuldades financeiras e a desigualdade de expectativas, como a pressão por smartphones. No Natal, as crianças escrevem cartas ao Papai Noel com várias opções. Leila conta que, às vezes, presentes são objetos “redescobertos”, que estavam sumidos na casa.
— Desde o início, quando o negócio apertou, buscamos colégios com bolsa. Mas não é fácil, inclusive por causa do consumismo. Tem sempre o coleguinha que ganha um smartphone, mas é filho único. Imagina dar smartphone para vários — diz Richard.
Desse convívio nasceu a Associação Brasileira de Famílias Numerosas, lançada este ano, com um clube de benefícios para saúde e lazer. A proposta é ampliar parcerias e dar visibilidade às necessidades dessas famílias, como educação, alimentação e empregabilidade. Richard defende, por exemplo, redução de impostos para carros de sete lugares.
‘Escola de vida’
Mãe de 6 e moradora de Guaíba (RS), Geise Devit se apresenta como psicóloga e “desinfluencer materna”. Ao longo dos anos, ela decidiu parar de trabalhar duas vezes para dar atenção exclusiva à prole, mas percebeu que o trabalho também era fonte de realização. Há seis anos, contratou uma babá para conseguir conciliar. Foi aprendendo a se cobrar menos e hoje ajuda outras mães nisso.
— Aquele ideal de perfeição, de casa sempre organizada, tudo limpo, não funciona. As tarefas domésticas não acabam nunca, ainda mais numa casa com muita gente. Quando eu termino de lavar roupa, já tem outra sendo colocada no cesto. A gente precisa entender que vai haver momentos de caos, todos chorando ao mesmo tempo, um quer banheiro e outro quer água, e você é uma só. Mas a gente vai aprendendo a lidar. Claro que eles brigam, mas é uma oportunidade de educar, de ensinar a esperar a vez, a brigar pelo seu espaço, a ser generoso. As relações entre irmãos são uma escola de vida — destaca.
Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/12/25/coracoes-e-casas-lotadas-entre-amor-e-custos-altos-como-vivem-as-grandes-familias.ghtml
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