É preciso libertar a infância e levá-la para
brincar na natureza
Pequenos estão adoecendo física,
mental e emocionalmente, confinados entre quatro paredes, sedentários, comendo
biscoitos ultraprocessados, diante de telas
Por Daniel Becker
Quando recebi o convite para escrever uma coluna no GLOBO, a primeira dúvida foi: com que tema começar? Há tanto a se dizer sobre infância.
Quem trouxe a resposta foi o coração. Decidi começar pela principal causa de meu ativismo: o retorno da criança à natureza e ao livre brincar. Advogo pela causa há anos: em posts nas redes sociais, palestras e eventos, documentos científicos, entrevistas e artigos, buscando mobilizar pediatras, educadores e gestores públicos e privados, enfim, toda a sociedade, para a importância desse contato —que está também em todas as minhas receitas médicas.
Se você tentar imaginar crianças felizes e saudáveis, é muito provável que as veja brincando numa área verde. A conexão é imediata. Afinal, somos seres da natureza, fazemos parte dela e vice-versa.
No entanto, nos afastamos dela cada vez mais. Exilamos as crianças de seu território essencial: a paisagem natural, o ar livre. O principal motivo é nossa urbanização caótica, desigual e injusta. A maioria de nossas cidades oferece poucas áreas verdes e recreativas, especialmente na periferia. São praças mal cuidadas, brinquedos deteriorados, pouca sombra e acessibilidade, iluminação e segurança precárias.
Com a insegurança das ruas, as longas horas de trabalho e no transporte dos familiares, crianças saem à rua cada vez menos. Há também nosso consumismo: o programa preferido de muitas famílias nos fins de semana é o shopping. As escolas em geral têm poucas áreas abertas e espaços verdes, e os recreios não são valorizados.
Resultado: crianças confinadas entre quatro paredes quase o dia inteiro. Sedentárias, comendo biscoitos ultraprocessados, diante de telas — a única solução para conter a enorme energia que deveriam estar usando para correr, pular, brincar.
As consequências são nefastas: crianças adoecendo física, mental e emocionalmente. Doenças crônicas como hipertensão e diabetes, transtornos do comportamento, infecções, distúrbios do sono, dificuldades de aprendizado e problemas de saúde mental e emocional se tornando cada vez mais frequentes, e gerando prescrições de psicoativos.
Há um remédio melhor, gratuito e sem efeitos colaterais: levar a criança para o ar livre e a natureza. Os resultados são imediatos, e comprovados por estudos. Sua curiosidade se aguça, seu senso de descoberta se amplia, ela se torna uma cientista, investigando os fenômenos a sua volta — o voo dos pássaros e das folhas, o percurso das formigas, a textura das pedras. Sua criatividade e imaginação são acionadas, assim como o raciocínio lógico. A natureza cria desafios, e ela terá que aprender a avaliar riscos, resolver problemas e vencer seus medos.
Sua saúde agradece: a imunidade aumenta, as alergias diminuem, a capacidade cardiorrespiratória, a força muscular, o equilíbrio e a coordenação se ampliam. O sono e a visão melhoram. Os efeitos positivos se estendem à saúde mental e emocional, com mais empatia, comportamentos colaborativos e redução da agressividade. Com mais atenção, o aproveitamento escolar melhora.
Na pracinha, a criança fica longe das telas tóxicas e do consumismo. E conectada com o aqui e o agora, em conexão profunda com o senso de maravilhamento que a paisagem natural nos oferece.
Quem não tomaria ou daria para seu filho um remédio assim? E ele ainda vem com sol quentinho da manhã, brisa fresca, cheiro de verde e canto de passarinhos. E paz de espírito.
Libertar a infância e levá-la para brincar em seu território essencial, a natureza, deve ser um esforço de todos nós. Os benefícios se estendem a toda a sociedade, com implicações para a justiça social e ambiental e para a sustentabilidade.
Esse é um bom começo. E como o tema é importante, voltarei a ele outras vezes aqui.
Fonte:https://oglobo.globo.com/blogs/daniel-becker/post/2022/12/e-preciso-libertar-a-infancia-e-leva-la-para-brincar-na-natureza.ghtml
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